Em missão na África, o seguidor Danilo revela os desafios e os aprendizados advindos do trabalho missionário
“Eu não escolhi, fui escolhido.”, afirma Danilo, jovem seguidor da Arquidiocese de Natal- RN
William Danilo é um jovem bastante atuante no movimento Segue-me, tanto em sua arquidiocese quanto a nível nacional. Aos 36 anos, carrega diversas aventuras em sua bagagem. Nasceu em Natal/RN, porém passou a infância no Rio de Janeiro-RJ. Apaixonado pelo jornalismo e pela liberdade, Danilo começou seu ofício como oficial do Exército Brasileiro em Garanhuns/PE, voltou a Natal ao ingressar na Academia de Polícia Militar do RN e se especializou em Ipeuna/SP. Esse contexto já denota o espírito viajante do nosso jovem seguidor.
Fez parte do Conselho Nacional Provisório do Segue-me (CNPUS) e, de 2015 a 2018, foi coordenador jovem do Conselho Nacional do Segue-me, cuja função foi substancial para a criação do documento nacional e, em consequência, para a unidade do movimento. Por acaso, enquanto cumpria uma missão no Quartel do Comando Geral da PM, em Natal, encontrou um colega de farda que estava servindo em Brasília. O colega lhe falou que tinha ido fazer uma prova de inglês em Recife, primeiro passo para integrar Missões de Paz da ONU como Policial Militar. A partir daí, Danilo começa a pensar sobre essa experiência de vida.
Em 2016, então, Danilo inscreveu-se e passou na seleção. Entretanto, só em 2018 foi efetivamente mobilizado. Foi, portanto, indicado para a Missão das Nações Unidas no Sudão do Sul – UNMISS, que possui a incumbência de proteger os civis, vigiar a aplicação dos direitos humanos, fiscalizar o cumprimento do acordo de paz vigente e contribuir com o suporte ao desenvolvimento do país.
Atualmente, em missão na África , William Danilo conta como está sendo a sua vida, longe do solo Potiguar
REDAÇÃO: Como foi o processo para a sua ida ao Sudão? Realizou provas, cursos…?
William Danilo: Na verdade, o fato de ter crescido na Paróquia de São Francisco de Assis sempre me deixou motiva
do a tentar algo pelo próximo. Como São Francisco, percebi que eu já tinha demais e precisava partilhar, precisava me doar. Junto com o Movimento Segue-me fui em Missão de Evangelização em Belém/PA, durante o Encontro Nacional de Jovens dos Movimentos e Novas Comunidades – ENJMC, tive uma experiência cristã muito forte junto às comunidades ribeirinhas e essa foi a confirmação de que eu precisava ir além, para águas mais profundas. Como sou Policial Militar não teria a oportunidade de servir dessa forma a não ser integrando uma Missão de Paz da ONU. Comecei a me preparar em 2016 e, em fevereiro de 2018, fui selecionado para o Sudão do Sul.
Quando recebeu a resposta das Nações Unidas? Como foi a sua reação?
Eu não escolhi, fui escolhido. Quando nos voluntariamos para missões de paz da ONU não temos opção de escolher o destino. No momento da seleção eu sabia apenas que estavam enviando brasileiros para três países: Haiti, Guiné Bissau e Sudão do Sul. Eles definiram que o meu perfil se encaixava na Missão do Sudão do Sul.
Caracterize a região, levando em consideração as questões geográficas, econômicas e sociais…
Por causa da guerra a realidade é bem dura. Não há serviços públicos, escolas, hospitais, transporte, saneamento básico, energia elétrica e água encanada. A ONU distribui alimentos, água e mantém, através de suas agências, escolas e hospitais dentro do campo. Tudo muito simples e básico. Todos têm medo de sair do campo de refugiadas e vivem em condições bem precárias em tendas improvisadas, sem ventilação e num espaço reduzido para cada família. Recentemente houve uma assinatura de um acordo de paz e há a esperança de fim do conflito. Mesmo com toda dificuldade é um povo lutador, que não abaixa a cabeça e não mostra sinal algum de infelicidade, estão sempre sorrindo.
Como está sendo o convívio nesse espaço? Especificamente, quais são suas funções?
O trabalho aqui é bem duro. Trabalho na proteção aos civis que estão sendo perseguidos pela etnia rival. Eles estão em guerra civil e muitos são assassinados apenas por pertencerem a outra tribo. Isso provoca um clima de permanente tensão e minha responsabilidade é proteger os civis, sem tomar parte no conflito em si. Já trabalhei no maior campo de refugiados do país com 120.000 pessoas, localizado na cidade de Bentiu, ao norte do país. Atualmente, faço um trabalho mais humanitário, de policiamento comunitário e visito as comunidades mais isoladas que necessitam assistência na cidade de Kuajok. O país está completamente destruído, o que dificulta ainda mais a missão, uma vez que não há uma estrutura logística e só recebemos o básico para viver. No dia a dia tenho contato com os Sul-sudaneses dentro do campo e nas vilas o que me possibilita trocar experiências e compreender um pouco mais da realidade que vivem e da sua cultura única.
Quais são as suas maiores dificuldades?
Para mim o impacto inicial foi muito grande. Sair de casa para enfrentar uma realidade totalmente diferente nunca é fácil e eu tive que me adaptar. Divido um contêiner muito pequeno com um colega ucraniano. Não tem banheiro nem água encanada. Para usar banheiro, cozinha, lavanderia, tenho que caminhar um pouco. Todos os dias, preciso ir ao ponto de água para encher minhas garrafas. Não há mercados e tenho que ir mensalmente à capital fazer compras. Outra dificuldade é a temperatura que já chegou a 47 graus na estação seca. A estação chuvosa traz temperaturas mais baixas, por volta dos 35 graus, e muita lama, o que dificulta a utilização dos veículos. Mas temos uma boa equipe e estamos sempre ajudando uns aos outros.
Em quase um ano de missão, o que tem aprendido? Quais experiências desse trabalho voluntário você já carrega em sua bagagem?
A vivência tem me mostrado a vida por outro lado. Percebi que eu era afortunado em Natal e mesmo as coisas que reclamava são muito mais estruturadas que aqui. Às vezes se fala sobre guerra, mas a realidade é que você só sabe a complexidade disso quando vive. Enquanto cristão tenho tido a oportunidade de dar e receber amor como nunca antes na minha vida. Eles são muito simpáticos e me proporcionam exemplos diários de força, persistência e otimismo. Não tem como passar por uma experiência assim e voltar o mesmo. Hoje valorizo ainda mais minha família, meu país, minha cidade e minha Igreja e sei que precisamos estar sempre dispostos a ir ao encontro do irmão. Quando voltar, espero poder compartilhar minha experiência e fazer algo pela minha comunidade. Há muitas pessoas que precisam de alguém para estender a mão e que precisam de um sorriso. Não temos noção de como uma boa palavra pode mudar o dia de alguém. O amor descrito por São Paulo na carta aos Coríntios é a perfeita descrição de como temos que nos portar e alcançarmos juntos a salvação, basta querer. Que eu possa amar mais que ser amado e ser um legítimo instrumento de paz.