No ano de 1961, três padres membro da Cáritas Brasileira [1] decidiram realizar uma campanha tentando arrecadar recursos financeiros que auxiliariam o custeio das ações sociais que a instituição realizava. A essa campanha chamaram de Campanha da Fraternidade. A ideia foi posta em prática, em 1962, e obteve tamanho sucesso que, em 1964, a CNBB estendeu a Campanha da Fraternidade em âmbito nacional, e desde então vem sendo realizada todos os anos no período de Quaresma.
Além de arrecadar fundos financeiros, a Campanha da Fraternidade tem também uma missão evangelizadora com o objetivo de despertar a caridade e a atenção do povo cristão para problemas que atingem nossa sociedade, abordando um tema que evidencie esse problema. Os temas são diversos, por exemplo, em 1983, a Campanha foi sobre a violência (“Fraternidade sim, violência não”) [2], e quando o suicídio assistido começou a ganhar relevância [3], o tema abordou sobre o valor da vida (“Fraternidade e defesa da vida humana”). Atualmente, com nosso país tão polarizado e dividido, a Campanha deste ano vem com o tema “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor”.
O texto base da edição de 2021 trata sobre diversas práticas que representam manifestações do ódio presentes em nossa sociedade, como o racismo, a homofobia, a intolerância religiosa e vários outros. Entretanto, o tipo de ódio mais recorrente no texto é o inter-religioso, isto é, quando um membro de uma religião descrimina ou prejudica outra pessoa apenas por ser de outra religião, e sendo essa uma campanha ecumênica é bastante pertinente que assim seja.
O ecumenismo é o movimento em busca da unidade dos cristãos, sendo assim, Campanha da Fraternidade ecumênica é uma campanha que segue esse propósito, como é indicado no próprio lema dessa edição: “Porque ele é a nossa paz, ele que de dois povos fez um só” [4]. Deste modo, percebe-se que precisamos estar sempre buscando a unidade com todos os filhos de Deus, pois somos um só povo.
O Concílio Vaticano II foi responsável em grande parte pelo fortalecimento do ecumenismo dentro da Igreja, publicando o documento Unitatis redintegratio [5] que versa sobre a necessidade do ecumenismo e sobre as boas práticas para atingi-lo, diz-nos: “Cristo Senhor fundou uma só e única Igreja. Todavia, são numerosas as Comunhões cristãs que se apresentam aos homens como a verdadeira herança de Jesus Cristo […] Esta divisão, porém, contradiz abertamente a vontade de Cristo. […] [Então] sem querer minimizar as diferenças entre os vários grupos cristãos e sem desconhecer os laços que, não obstante a divisão, entre eles existem, este sagrado Concílio determina levar a cabo uma prudente ação ecumênica”.
A primeira edição ecumênica da Campanha da Fraternidade aconteceu no ano de 2000 (“Dignidade humana e paz”), fazendo com que a Campanha de 2021 a quinta edição com essa característica, que vem sendo recorrentemente abordado aqui no Brasil e também em todos os locais em que a Igreja está presente. Esse movimento ecumênico acontece e continuará acontecendo sendo extremamente benéfico para a Igreja, aumentando o diálogo inter-religioso, o que possibilita um crescimento para a caridade e para a Evangelização.
Embora o ecumenismo seja bastante positivo, precisamos atentar-nos para bem exercê-lo, pois já nos alerta São João Paulo II que “neste corajoso caminho para a unidade, a lucidez e a prudência da fé impõem-nos evitar o Irenismo [6] e a negligência pelas normas da Igreja”. Não podemos e nem devemos enquanto católicos esquecermos da nossa religião, precisamos sim ser compreensivo e abertos ao diálogo com nossos irmãos de outras religiões, mas não podemos cair no que o Papa Pio XII chamava “relativismo dogmático” [7].
A Campanha da Fraternidade reforça que “somos todos irmão e irmãs que podem e devem viver em Comunhão” [8], por isso, temos o dever de nos esforçamos buscando uma unidade, seguindo essa direção rumo à união que há muito tempo já vem acontecendo, pois somos membros da Igreja. Então, nas palavras de São João Paulo II: “a Igreja Católica empenhou-se, de modo irreversível, a percorrer o caminho da busca ecuménica” [9], conseguindo crescer e melhor viver com nossos irmãos de outras religiões.
O objetivo maior do movimento ecumênico é que nos aproximemos cada vez mais da unidade em Cristo, mas nessa busca pela unidade, não podemos esquecer das verdades que foram reveladas pelos Santos ao longo dos séculos e nem dos nossos dogmas religiosos. Deste modo, devemos prosseguir com prudência: “a busca por unidade não é mais importante que a defesa da Verdade conhecida”, devemos ser cautelosos para não faltarmos com a verdade, nem escandalizar ninguém desnecessariamente agindo de modo demasiado agressivo.
Assim sendo, devemos com fé e oração viver essa Campanha da Fraternidade evangelizando, respeitando e acolhendo os diferentes, ou seja, sendo ecumênicos. Assim, conseguiremos crescer e progredir cada vez mais na fraternidade na compaixão e na caridade com nossos Irmãos.
Wallyson F. Lira
Paróquia Nossa Senhora das Dores
Diocese de Crato – CE
Notas:
[1] A Cáritas Brasil é uma organização criada em 1956 pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) inicialmente incumbida de articular todas as obras sociais católicas.
[2] A lista contendo o tema das edições passadas da campanha da fraternidade está disponível em: http://www.sefras.org.br/novo/campanha-da-fraternidade-2017-2/todos-os-temas-e-lemas-da-cf/
[3] O primeiro país com uma legislação que permitia a eutanásia foi a Austrália em 1997, porém a lei que permitia essa prática foi revogada no ano seguinte. O segundo país foi a Holanda em 2001.
[4] Efésios 2, 14.
[5] Documento conciliar promulgado pelo Papa Paulo VI no ano de 1964.
[6] Irenismo é uma heresia condenada por diferentes Papas, que consiste na ideia de que, na busca pela unidade deveríamos abandonar a nossa fé em qualquer ponto de divergência com outras religiões, fazendo assim um suposto ecumenismo, que no lugar de permite o diálogo, elimina artificialmente as diferenças.
[7] Papa Pio XII na encíclica Humani generi.
[8] Citação contida no Texto Base da Campanha da Fraternidade 2021.
[9] Papa São Joao Paulo II na encíclica Ut Unum sint de 1995.